Desde que abriu os olhos pela primeira vez só o que viu foi desamparo, Maria nascia numa manhã gelada, de pés descalços e fome na barriga, sensações que teria de carregar por toda a vida.
Nos primeiros meses de vida foi criada e cuidada pela avó, sua mãe aparecia poucas vezes para lhe amamentar, vivia na rua, lugar onde Maria passou a viver em seus primeiros anos. Aos cinco, aprendeu que para comer deveria vender balas no sinal, e sua imaginação ia longe ao observar os carros de luxo que nem se quer lhe abriam os vidros. Numa madrugada em que não conseguia dormir conheceu o crack.
Anos se passaram e entre idas e vindas do abrigo, Maria foi matéria de um Portal de Notícias, aos treze anos, grávida, cheirando tíner na praia.
Pedro também foi notícia, o menino de treze anos ganhou uma competição de Videogames. Ele também nasceu em uma manhã gelada, mas logo seus pés descalços deram lugar a sapatinhos amarelos de lã, ele foi amamentado e levado a um quarto cheio de brinquedos.
Aos cinco anos aprendeu o alfabeto e sua imaginação ia longe ao brincar com seu primeiro videogame.
Um dia Pedro observou uma menina vendendo balas no sinal por trás dos vidros de um carro de luxo, e aprendeu com seu pai que moradores de rua são "vagabundos desocupados."
Maria e Pedro são parte da realidade contrastante em que vive o Brasil. Ambos existem aos montes.
Ela, é vagabunda e inconsequente aos olhos de quem lê as notícias. Ele, um prodígio.
Duas crianças, dois mundos, duas vidas, na verdade três...
O filho de Maria está nascendo, e a primeira coisa que viu diante de seus olhos foi desamparo, nasceu em uma tarde morna, de pés descalços e fome na barriga... Sensações que terá de carregar por toda a sua vida.