ATENÇÃO: ESTE POST CONTÉM SPOILERS DA 5ª TEMPORADA!


No último episódio de Game of Thrones, "Unbowed, Unbent, Unbroken", Sansa Stark, uma das poucas sobreviventes do clã Stark, foi protagonista de uma das cenas mais cruéis já exibidas pela série, conhecida por não ter misericórdia de seus personagens. Depois de assistir à execução do próprio pai, ser torturada, silenciada, humilhada, obrigada a se casar com um homem considerado repulsivo (o que foi a única coisa boa que lhe aconteceu) e raptada por um interesseiro, a adolescente agora se vê nas mãos de um psicopata, que a violenta na noite de núpcias. Poderíamos aceitar facilmente (mais) uma mulher sofrida na ficção, não fossem os artifícios que a levaram até ali.


Baseada nos livros da saga "As Crônicas de Gelo e Fogo" de George R. R. Martin, Game of Thrones é uma série de sucesso estrondoso, e se passa num mundo fictício inspirado no período Medieval, povoado por dragões, gigantes e homens de gelo, mas movido por desejos bastante "terrenos": para uns, o poder; para outros, a sobrevivência. Apesar de retratar claramente a opressão sobre o sexo feminino, as mulheres da saga são complexas e variadas, todas tendo valor e importância para a história. O próprio autor, quando perguntado sobre criar "personagens femininas fortes", respondeu: "eu sempre considerei as mulheres como pessoas, sabe?".



E é uma pena que essa clara desconstrução do sexismo não tenha sido transposta para as telas como deveria.

Em Game of Thrones, já contamos três estupros em cinco temporadas. Pode parecer "pouco", se não fosse o fato de que NENHUM deles aconteceu nos livros. O primeiro foi o de Daenerys Targaryen: vendida a um guerreiro pelo próprio irmão, foi estuprada na noite de núpcias; O segundo foi o de Cersei Lannister, que velava seu filho com o próprio irmão, quando este a viola ali mesmo; e o terceiro, a lua-de-mel amarga de Sansa, numa cena cujos protagonistas sequer aparecem, porém a reação de Theon, obrigado a assistir a tudo, e os sons emitidos, já foram capazes de causar horror à quem assistiu.



Nos dois primeiros casos, os estupros foram pura e simplesmente desnecessários, deturpando as cenas originais que eram de sexo completamente consensual. As mulheres desejaram aquele envolvimento, ambas estavam em pleno controle de suas decisões. Qual seria o impedimento para que isso fosse retratado? Talvez os roteiristas acreditem que uma mulher que deseja sexo "incomum" não seja atraente para o público ou sequer crível; Talvez a intenção tenha sido gerar polêmica e exagerar a violência; De qualquer forma, ambos os abusos foram naturalizados de forma nociva, com a primeira se apaixonando perdidamente pelo abusador, e a segunda simplesmente esquecendo o assunto, que nunca mais voltou à pauta e o abusador nesse caso segue sendo seu amante e confidente.

Já no caso de Sansa, é verdade que Ramsay, seu agora marido, é um estuprador também nos livros, porém o Ramsay original é conhecido por toda Westeros como um psicopata sem limites, e sua esposa é uma nativa de Winterfell, e não a sofrida Stark. Não que ser uma personagem "menor" torne tudo mais aceitável: a grande questão é o desenvolvimento da personagem. Jeyne Poole, a esposa de Ramsay na saga, é usada como peão político, se passando por uma Stark, e como mais um objeto para a tortura do perturbado Theon. Com a diferença de que George sabe o mal que ela está sofrendo: Jeyne vai sendo corroída pelo sofrimento ao longo da história. Já Sansa é uma protagonista de quem os espectadores esperam algum tipo de superação e redenção, portanto seu estupro torna-se apenas "mais um obstáculo" na sua já sofrida vida.

Esse provável desenrolar da história é, basicamente, uma agressão à luta contra a cultura do estupro. Precisamos dimensionar as consequências desse tipo de crime, problematizá-lo à exaustão, para que as pessoas passem a enxergá-lo como ele realmente é. O horror enfrentado todos os dias por mulheres do mundo todo, sendo usado como forma de gerar audiência, polêmica e empatia para uma personagem específica é um ato de desrespeito à causa feminista.

Como fã tanto dos livros quanto da série, estou triste e decepcionada com os rumos tomados pelos produtores. Em um episódio cujo título é "Que não se ajoelha, que não se dobra, que não se quebra" (em tradução livre), lema de uma das casas com mais mulheres guerreiras de toda a saga, Santa se viu ajoelhada, dobrada, quebrada. Como o machismo tenta nos deixar, todos os dias.

Não nos quebrarão mais.


3 Comentários

  1. Este comentário foi removido pelo autor.

    ResponderExcluir
  2. Adorei o seu texto. Também compartilho da mesma indignação que você. Estou chocada o dia todo pelo que aconteceu a Sansa. Não consigo compreender o motivo do retrocesso para com a personagem. Esperávamos uma personagem mais forte e sombria e de repente a vimos, indefesa, vítima de um crime brutal e desnecessário. O livro oferece tantas tramas interessantes, tantos dramas pessoais, então porque os produtores insistem em chocar com cenas abusivas de nudez e violência contra as mulheres? Game of thrones falhou com Sansa Stark. Lastimável!

    ResponderExcluir
  3. Excelente texto, episódios novos saíram, mas eu perdi totalmente a vontade de continuar assistindo a série... Repugnância com mídias que ainda usam o estupro como entretenimento.

    ✧ Blog Bruna Morgan ✩

    ResponderExcluir

Comenta aí, miga!