Mesmo que você não curta e não se interesse por quadrinhos, o acontecimento da semana no universo geek é importante e você deveria saber sobre ele.

Para facilitar o entendimento dessa história, você precisa saber que em 1988 foi lançada a graphic novel "A Piada Mortal", uma minissérie bastante obscura, onde são explorados aspectos psicológicos de Batman, Comissário Jim Gordon e principalmente do Coringa, um dos personagens mais complexos e aterrorizantes das histórias em quadrinhos. Para torturar os inimigos, Coringa atira em Barbara Gordon (identidade secreta da Batgirl e filha de Jim), deixando-a paraplégica.


Porém o que não havia ficado muito claro na época (apesar de parecer óbvio) foi o fato dessa edição sugerir um abuso sexual sofrido por Barbara nas mãos do Palhaço do Crime. 

Edições original e publicada de "A Piada Mortal". Repare que no original, 
Barbara aparece com os seios de fora em uma das fotos.

 Para chamar a atenção do mercado colecionador, algumas edições especiais de HQ tem "capas variantes", ou seja, a mesma revista é lançada com diversas capas, normalmente produzidas por artistas diferentes. Em junho deste ano, o personagem Coringa comemora 75 anos e para isso serão lançadas 25 capas diferentes. Uma delas, exibida pela própria DC na última sexta-feira, é do brasileiro Rafael Albuquerque.


A reação foi quase imediata e virou um embate entre os que defendiam a publicação e os que pediam o cancelamento. Finalmente, o próprio Rafael se pronunciou, dizendo que ele mesmo havia pedido que a capa não fosse publicada.

Rafael seguiu uma lógica simples: ouvir quem seria afetado por aquilo. Mesmo deixando claro que a decisão é quase puramente comercial, o desenhista foi coerente: "Uma revista voltada para o público feminino adolescente não deve ter uma capa pesada como essa. Indiferente da questão de quem está certo ou errado, a capa que eu fiz não serve a proposta que deveria ter."

A Batgirl atual é uma personagem moderna, tem uma amiga transexual, e caminha em direção à tão sonhada representação feminina sem a pesada conotação sexual que sempre foi característica dos quadrinhos, e ainda passou a ser direcionada a um público jovem, que precisa (muito!) de referenciais de força feminina num universo ainda considerado "coisa de menino" por muita gente.

O próprio Rafael disse: "a indústria de HQ sempre foi machista" e considera que a capa  mexeu num "nervo exposto" da causa feminista. Não poderia estar mais certo. Ainda somos vítimas, todos os dias, em todos os lugares do mundo, de abusos sexuais, físicos e psicológicos, portanto nos dói, sim, e isso deveria ser óbvio. Lutamos (não só as garotas envolvidas com o mundo nerd, mas em todos os âmbitos do feminismo) para não sermos vistas apenas como vítimas, para sermos representadas de forma realista, como os seres complexos e multidimensionais que somos. Não queremos ser alça para o sucesso completo do mocinho: queremos ser nossas próprias heroínas, e por que não, nossas próprias vilãs também.

Esperamos que o posicionamento da DC e de Rafael esclareça um pouco a mente de quem ainda grita que isso é "censura". Não é censura, é empatia. É não nos empurrar de volta no longo caminho da nossa luta, mas uma tentativa de andar ao nosso lado.


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