Na primeira menstruação, um alarde. "Virou mocinha", eles disseram. "Cuidado que agora você já pode engravidar", reforçaram. Não importando se minha infância não tivesse acabado, precisavam me alertar para não virar o que chamam de puta/vadia/vagabunda. Então odiei ainda mais aquela coisa que chamavam de vagina. Minha vagina sangrava, minha vagina era sagrada, minha vagina devia ser escondida a sete chaves, eu não devia tocar nela, muito menos olhar. Era chata, sem graça, me impedia de fazer as coisas que eu queria fazer de verdade. Era a culpada de tudo.

Na escola, pedir absorvente emprestado pra amiga era um crime. Primeiro, os sussurros. "Ei, você tem [abaixa o tom de voz] absorvente?", como se fosse de um alien que estivéssemos falando. Depois, o pacote era passado num movimento ninja de uma mão para outra, como uma droga. E ia rapidamente parar no bolso da menina que sai em disparada pro banheiro pra ninguém saber que ela menstruava. A vagina era culpada, e o sangue era mais um de seus crimes. Eu odiei de novo, inúmeras vezes.

Entre a roda de amigos, unanimidade: todas odiavam sangrar uma vez ao mês. Todas tinham nojo, todas tinham raiva, todas permitiam que os homens fizessem comentários irracionais sobre nosso período menstrual, algumas mutilavam as suas vaginas, outras ignoravam - fingindo que elas não existissem, como se na verdade fosse um vácuo entre nossas pernas. E que culpa tinham elas? Que culpa tinha eu? Fomos condicionadas a odiar, a querer nos livrar a todo custo do martírio que é ter uma vagina e um útero - que só vim descobrir da sua existência anos depois, numa aula de biologia. Mais uma parte do meu corpo para eu detestar.

E não parava. Da vagina odiei o sangue, do sangue odiei o útero, do útero odiei as cólicas, das cólicas odiei a TPM, da TPM odiei a compulsão por comida, da compulsão odiei minha barriga, da minha barriga odiei meu peso, do meu peso odiei minhas coxas, das minhas coxas odiei minha bunda, da minha bunda odiei meus seios, dos meus seios odiei meus braços. O que sobrou foi meu rosto e meu cabelo, que odiei também por ouvir de outros que eram feios, que minhas espinhas eram nojentas, que minha pele era suja e que, portanto, minha vagina deveria ser também.

Odiei cada parte do meu corpo e só quando o ódio esgotou, quando o cansaço veio, que consegui entender. O meu sangue não é sujo, o meu corpo não é feio, o meu rosto não é horroroso, a minha vagina não é culpada. A culpa é deles, repito todos os dias. Um mantra que tive que aprender quando percebi que, apesar de tudo ter início desde o momento da minha ultrassom, a culpa não é dela. Nem do resto do meu corpo. É deles, só deles.

Sou tão vítima quanto o que guardo entre as pernas, sou tão vítima quanto qualquer mulher, sou tão vítima que ainda nem calculei os estragos. Mas acredito que, no total, foi uma vida até aqui pra perceber que minha vagina é linda sim - e eu também.


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